Martelando a Arte
Artes Visuais 12/02/14 - 07h Leonardo Cassio

Em novembro de 2013, a casa de leilões nova-iorquina Christie’s cravou uma marca histórica no mundo das artes: a venda de um quadro pela incrível bagatela de U$ 142,4 milhões. Isso mesmo! Até então, o quadro com maior valor de mercado era do norueguês Edvard Munch, o famoso “O Grito”, que havia atingindo a cifra de U$ 119,9 milhões.
O novo recordista de doletas é o tríptico do anglo-irlândes Francis Bacon (1909-1992), “Três Estudos de Lucian Freud”. Esse Freud não é o pai da psicanálise, mas é neto dele. Bacon pintou a tela em homenagem ao amigo, que também era pintor, 25 anos após se conhecerem.
A obra é aclamada, em primeiro lugar, pelo modelo retratado. Em segundo lugar pela aguçada técnica de distorção das formas, em especial o rosto, e todo o padrão esquemático do quadro, sua geometria e profundidade.
Bacana. É uma obra realmente impressionante sob vários aspectos. Mas valem três quadros essa quantia que compra um prédio inteiro de apartamentos de alto padrão? E por que raios as artes plásticas alcançam cifras estratosféricas frente a outros produtos/ objetos /expressões culturais?
É bem conhecida a excentricidade de colecionadores e a voracidade de investidores nas artes plásticas, e mesmo assim é espantoso o valor que este quadro atingiu. Obviamente, as obras de Picasso, Van Gogh, Cézanne e outros recordistas de venda mostram a força deste “mercado” artístico-cultural. Porém, a valoração econômica de certos bens simbólicos exige cuidado e reflexão.
Se analisarmos, por exemplo, um blockbuster hollywoodiano, percebemos que a arrecadação total de um campeão de bilheteria bate as cifras recordes. No entanto, o montante arrecadado refere-se a milhões de espectadores que pagaram por uma obra minimamente coletiva. No caso de uma pintura, os valores são trocados em, no máximo, pequenos grupos: os investidores/colecionadores e detentores dos direitos autorais e/ ou artistas (lembrando que a maioria dos quadros milionários é de pessoas mortas), fazendo com que haja uma economia cultural hiperseletiva (ressaltando que o modelo de Hollywood é um exemplo, não há aqui juízo de valores sobre seu modus operandi), e mesmo se houver uma exposição com a obra adquirida, poucas pessoas terão acesso, se levarmos em conta a população mundial.
O pensador John B. Thompson trata sobre o assunto em “Ideologia e Cultura Moderna: Teoria Social Crítica na Era dos Meios de Comunicação de Massa”. Segundo ele, o capitalismo e seu modo peculiar de produção, transmissão e controle das formas simbólicas são hoje responsáveis pela midiação das mesmas, o que ele chama da “mass media”.
A valorização da arte, desta forma, está condicionada qualitativamente e quantitativamente aos interesses de grupos hegemônicos que controlam o sistema supracitado. Ou seja, há um condicionamento do que “vale muito” para aqueles que efetivamente “podem pagar muito”.
A parte triste disso é que a arte como enfrentamento social (e lembremos aqui da Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer), como expressão de um contexto histórico e social, e representação de um olhar específico de alguém que possui uma imaginação aquém do senso comum, acaba sendo minimizada frente ao mercado. Há um esvaziamento das ideologias e dos valores simbólicos gerais frente à valorização da técnica.
Quem pode dizer se uma pintura vale ou não o valor que lhe pagam? Os critérios são subjetivos. É certo, no entanto, que cada martelada de um leilão faz com que os valores de mercado subam e os valores simbólicos despenquem.